A aventura de um
brasileiro que começou a praticar slackline no quintal de
casa e acabou dando a volta ao mundo com a turnê da Madonna.
casa e acabou dando a volta ao mundo com a turnê da Madonna.
Carlos Neto em Itacoatiara, onde começou a treinar o slackline (Foto: Tony D'Andrea) |
Por Daniel Fraiha
Foi uma ligação em
maio de 2012 que arregalou os olhos de Carlos Neto, um mês antes de
completar 23 anos, para a oportunidade que podia virar sua vida de
ponta à cabeça. Não que ele não estivesse acostumado a ver o
mundo de ângulos inusitados, mas o que o interlocutor lhe propunha
era o maior salto que viria a dar até então: participar da turnê
da Madonna com apresentações de slackline em 36 países diferentes.
Era o início de uma
grande jornada de sucesso, que ainda está no começo de seus dias.
Mas os primeiros passos para o "pulo do gato" na vida do
estudante de engenharia tinham sido dados pouco tempo antes, em abril
de 2011, quando teve seu primeiro contato com o esporte que vem
crescendo a passos largos no Brasil e no mundo.
"Meu irmão
chegou lá em casa com uma fita de slackline, amarrou na árvore e
foi amor a primeira vista", conta Neto.
Dali em diante ele
passaria a ir todos os dias para a praia - fosse Itacoatiara ou
Icaraí, em Niterói - praticar o esporte, que consiste em se
equilibrar em cima de uma fita especial posta entre dois pontos fixos
(como duas árvores, por exemplo). Começou a fazer novos amigos e a
se aproximar de alguns que já conhecia de antes, formando o grupo
que em pouco tempo consolidou a força niteroiense no slackline.
Apenas dois meses
depois de começar a praticar o esporte, Neto foi campeão
niteroiense, mas ainda era pouco conhecido no meio. Alguns já tinham
ouvido falar dele, mas nada perto do que viria a acontecer no futuro.
Entre setembro e
dezembro de 2011, Neto participou do primeiro campeonato mundial de
slackline online, chamado "King of Slackline", que lhe fez
alçar voo no mundo internacional. Ao final da competição, que era
travada a partir do envio de vídeos pelo youtube com as melhores
manobras dos participantes, Carlos Neto e o estoniano Jaan Roose
foram classificados para a final entre os mais de duzentos
competidores. O estrangeiro levou a melhor, mas os jurados gostaram
tanto de Neto que também lhe mandaram uma passagem para a Alemanha
com tudo pago. Lá ele participaria pela primeira vez do campeonato
mundial de slackline.
"Não me dei
muito bem, mas os caras gostaram do meu estilo de brasileiro, o jeito
de andar, que nem a ginga do futebol, e começaram a entrar em
contato comigo para falar de trabalhos que estavam pintando, para
ficar viajando", explica.
Apesar do sétimo
lugar na competição, ele saiu com gostinho de vitória na boca.
Agora estava entre os principais nomes mundiais do esporte e as
oportunidades viriam, fossem elas quais fossem. Não tardou muito a
acontecer. Em fevereiro de 2012, começaram a surgir boatos de que a
Madonna estava procurando slackliners para inserir nos shows da nova
turnê e ele estava entre os cotados. O primeiro a ser convidado foi
Jaan Roose, mas ainda havia a possibilidade de mais uma pessoa ser
chamada.
Neto ouvia de alguns
que a cantora americana tinha gostado dele, mas não queria criar
expectativas. Contou para poucos amigos da possibilidade, mas pediu
segredo e disse que "ainda era muito incerto". Em paralelo
a isso, outro portentoso convite começava a se desenhar na sua vida,
com a possibilidade de ir para o cenário internacional, também no
meio do show business. Era o Cirque de Soleil, que acabou não
conseguindo conquistar o jovem niteroiense para seu quadro de
artistas.
Entre fevereiro e
maio de 2012 os contatos haviam começado por meio de um email da
organização do circo, interessado em fazer um teste com Neto. No
final de abril, um representante canadense do grupo veio ao Brasil
para fazer uma audiência com ele e outro brasileiro amigo seu,
Enrico Conti. O encontro foi um sucesso e ficaram de acertar os
detalhes alguns dias depois.
Neto iria para o
Canadá para treinar por oito meses, depois passaria a integrar as
apresentações do Cirque de Soleil em Las Vegas, com contrato para
três anos de trabalho ininterruptos. Seria um dos membros do
espetáculo musical em homenagem a Michael Jackson, que estreia em
junho deste ano. A proposta era ótima, o salário era alto, mas
quando o martelo foi batido, já era tarde, Neto estava com as malas
prontas para encontrar com a Madonna em Tel Aviv, em Israel, onde
começaria a turnê.
Adeus Las Vegas,
viva o mundo
A ligação que
derrubou o Cirque de Soleil veio falada em espanhol, numa conversa
não muito longa. O homem se apresentou como agente da cantora e
disse que precisavam dele em cinco dias para o início da turnê. Sem
saber muitas palavras em inglês ou espanhol, Neto nem titubeou,
pegou o avião assim que foi possível, e começou a jornada que
rodaria cinco continentes do mundo, ao longo de 88 shows
internacionais.
No início, ele foi
como possível substituto de Roose, mas depois de um mês e meio
treinando e interagindo com o grupo, a própria Madonna fez questão
que ele fizesse parte dos shows.
Neto e Roose em um dos shows da turnê (Foto: Arquivo Pessoal) |
"Um dia a gente
estava no slackpark, treinando, e ela falou: 'Vamos incluir ele no
show'. Uma semana depois ela me testou no palco, com toda a equipe
assistindo e mais cinco dançarinos interagindo. Ela gostou e no dia
seguinte eu já me apresentei, junto com o Jaan Roose, no show de
Moscou", conta.
A partir da Rússia,
Neto se apresentou em dupla com o estoniano em todos os 64 shows
seguintes, passando por Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, entre
muitas outras cidades. Girou o mundo, conhecendo outras culturas e
aperfeiçoando o inglês, que ainda era básico nos primeiros dias da
viagem.
Neto conta que não
teve muitos problemas com isso, porque todos foram muito receptivos
com ele, sempre ajudando no que fosse necessário. Visitou os mais
diferentes pontos do globo, ficou nos melhores hotéis e aproveitou
as melhores festas, muitas vezes exclusivas para a equipe da turnê,
e de quebra ainda conseguiu fazer um pé de meia.
'Meu pai foi meu
guia'
Apesar de todos os
apetrechos tecnológicos estarem à mão, com internet banda larga
disponível e mais rápida do que a brasileira, faltava-lhe tempo
para pesquisar sobre os lugares por onde ia passando ao longo da turnê, o que poderia
ter lhe tirado muitos prazeres se não fosse por um fiel guia
turístico que antecipava tudo para ele: seu pai.
O engenheiro
eletrônico Tácio Rocha viajou junto com o filho por meio do
computador, sempre atento ao itinerário e às dicas que encontrava
na internet. Via o país, a cidade e o hotel onde Neto ficaria, e já
partia para as pesquisas. Tão valiosas eram as informações, que a
primeira coisa que Neto fazia ao chegar nos hotéis era ligar para o
pai e perguntar o que ele indicava.
“A três
quarteirões do hotel tem um parque com um lago maneiríssimo. Vai
lá.”, dizia Tácio em uma das conversas via Skype. Além disso,
cobrava as fotos do filho nas redes sociais: “Sua mãe quer ver,
Neto, põe no Facebook”.
Durante a primeira etapa do campeonato mundial de 2013 (Foto: Arquivo Pessoal) |
Futuro do
Slackline
O futuro de Neto
está cada vez mais atrelado ao esporte, que por sua vez tem grandes
perspectivas pela frente. Nascido no início da década de 80, na
Califórnia, o slackline foi criado por escaladores, que utilizavam a
corda para se aquecer enquanto as condições de tempo não permitiam
que eles seguissem com o caminho. Hoje é um esporte difundido em
todo mundo, com uma série de novas modalidades, que não param de
surgir. Existe o trickline (modalidade em que há manobras e saltos,
a mais recorrente em competições); o highline (o mais antigo,
praticado nas alturas, geralmente entre montanhas e prédios), o
longline (com fitas com mais de 20 metros de comprimento, cuja
dificuldade de equilíbrio é maior); o waterline (sobre as águas);
o Yogaline (prática de yoga sobre a fita); entre outras que ainda
estão sendo criadas.
Neto, que ficou em
terceiro lugar na primeira etapa do campeonato mundial de 2013,
atualmente tem contrato de patrocínio com a marca alemã Gibbon, a
maior fabricante de fitas para a prática do esporte, e está com
muitos planos para aumentar ainda mais a difusão do slackline no
Brasil.
“O pessoal da
Gibbon já disse que o Brasil é onde o esporte mais cresce
atualmente. Os pedidos de fitas e o número de praticantes aumenta
sem parar. O que falta agora é a federação do slackline, mas a
Gibbon está fazendo isso. É importante porque facilita a entrada de
novos investimentos e dá mais credibilidade”.
Ele conta ainda que
já foi a uma série de empresas pedir patrocínio para campeonatos,
mas sempre a primeira pergunta dos executivos é se o esporte é
federado. Como ainda não é, poucas portas se abrem. Mas além da
iniciativa da marca alemã, que está criando a federação
brasileira de slackline, também há o surgimento de federações
estaduais, como já houve no Rio Grande do Sul e está sendo
concretizado no Rio de Janeiro.
A campanha pela
divulgação do esporte deve ser a ocupação de Neto no futuro
próximo, mas ele diz que tem planos de um dia voltar ao curso de
engenharia ambiental da UFF para concluí-lo.
“Eu gostava do
curso, tranquei no quarto período, mas estava cansado um pouco de
estudar. Agora estou vivendo um momento muito bom, com várias coisas
surgindo, e quero ficar pelo menos mais um ano viajando, fazendo
vídeos, ajudando a fazer o slackline crescer”.
Tanto ele quer
aproveitar a crista da onda no slackline, que mais uma vez recusou o
convite do Cirque de Soleil. Foi procurado no início deste ano de
novo pelo grupo, mas preferiu continuar apostando no que mais gosta: “Quero ficar mais na parte do esporte”.
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