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domingo, 24 de fevereiro de 2013

O PULO DO GATO

A aventura de um brasileiro que começou a praticar slackline no quintal de
casa e acabou dando a volta ao mundo com a turnê da Madonna.
Carlos Neto em Itacoatiara, onde começou a treinar o slackline
(Foto: Tony D'Andrea)
Por Daniel Fraiha
Foi uma ligação em maio de 2012 que arregalou os olhos de Carlos Neto, um mês antes de completar 23 anos, para a oportunidade que podia virar sua vida de ponta à cabeça. Não que ele não estivesse acostumado a ver o mundo de ângulos inusitados, mas o que o interlocutor lhe propunha era o maior salto que viria a dar até então: participar da turnê da Madonna com apresentações de slackline em 36 países diferentes.
Era o início de uma grande jornada de sucesso, que ainda está no começo de seus dias. Mas os primeiros passos para o "pulo do gato" na vida do estudante de engenharia tinham sido dados pouco tempo antes, em abril de 2011, quando teve seu primeiro contato com o esporte que vem crescendo a passos largos no Brasil e no mundo.
"Meu irmão chegou lá em casa com uma fita de slackline, amarrou na árvore e foi amor a primeira vista", conta Neto.
Dali em diante ele passaria a ir todos os dias para a praia - fosse Itacoatiara ou Icaraí, em Niterói - praticar o esporte, que consiste em se equilibrar em cima de uma fita especial posta entre dois pontos fixos (como duas árvores, por exemplo). Começou a fazer novos amigos e a se aproximar de alguns que já conhecia de antes, formando o grupo que em pouco tempo consolidou a força niteroiense no slackline.
Apenas dois meses depois de começar a praticar o esporte, Neto foi campeão niteroiense, mas ainda era pouco conhecido no meio. Alguns já tinham ouvido falar dele, mas nada perto do que viria a acontecer no futuro.
Entre setembro e dezembro de 2011, Neto participou do primeiro campeonato mundial de slackline online, chamado "King of Slackline", que lhe fez alçar voo no mundo internacional. Ao final da competição, que era travada a partir do envio de vídeos pelo youtube com as melhores manobras dos participantes, Carlos Neto e o estoniano Jaan Roose foram classificados para a final entre os mais de duzentos competidores. O estrangeiro levou a melhor, mas os jurados gostaram tanto de Neto que também lhe mandaram uma passagem para a Alemanha com tudo pago. Lá ele participaria pela primeira vez do campeonato mundial de slackline.
"Não me dei muito bem, mas os caras gostaram do meu estilo de brasileiro, o jeito de andar, que nem a ginga do futebol, e começaram a entrar em contato comigo para falar de trabalhos que estavam pintando, para ficar viajando", explica.
No meio do caminho, o Cirque de Soleil
Apesar do sétimo lugar na competição, ele saiu com gostinho de vitória na boca. Agora estava entre os principais nomes mundiais do esporte e as oportunidades viriam, fossem elas quais fossem. Não tardou muito a acontecer. Em fevereiro de 2012, começaram a surgir boatos de que a Madonna estava procurando slackliners para inserir nos shows da nova turnê e ele estava entre os cotados. O primeiro a ser convidado foi Jaan Roose, mas ainda havia a possibilidade de mais uma pessoa ser chamada.
Neto ouvia de alguns que a cantora americana tinha gostado dele, mas não queria criar expectativas. Contou para poucos amigos da possibilidade, mas pediu segredo e disse que "ainda era muito incerto". Em paralelo a isso, outro portentoso convite começava a se desenhar na sua vida, com a possibilidade de ir para o cenário internacional, também no meio do show business. Era o Cirque de Soleil, que acabou não conseguindo conquistar o jovem niteroiense para seu quadro de artistas.
Entre fevereiro e maio de 2012 os contatos haviam começado por meio de um email da organização do circo, interessado em fazer um teste com Neto. No final de abril, um representante canadense do grupo veio ao Brasil para fazer uma audiência com ele e outro brasileiro amigo seu, Enrico Conti. O encontro foi um sucesso e ficaram de acertar os detalhes alguns dias depois.
Neto iria para o Canadá para treinar por oito meses, depois passaria a integrar as apresentações do Cirque de Soleil em Las Vegas, com contrato para três anos de trabalho ininterruptos. Seria um dos membros do espetáculo musical em homenagem a Michael Jackson, que estreia em junho deste ano. A proposta era ótima, o salário era alto, mas quando o martelo foi batido, já era tarde, Neto estava com as malas prontas para encontrar com a Madonna em Tel Aviv, em Israel, onde começaria a turnê.
Adeus Las Vegas, viva o mundo
A ligação que derrubou o Cirque de Soleil veio falada em espanhol, numa conversa não muito longa. O homem se apresentou como agente da cantora e disse que precisavam dele em cinco dias para o início da turnê. Sem saber muitas palavras em inglês ou espanhol, Neto nem titubeou, pegou o avião assim que foi possível, e começou a jornada que rodaria cinco continentes do mundo, ao longo de 88 shows internacionais.
No início, ele foi como possível substituto de Roose, mas depois de um mês e meio treinando e interagindo com o grupo, a própria Madonna fez questão que ele fizesse parte dos shows.
Neto e Roose em um dos shows da turnê
(Foto: Arquivo Pessoal)
"Um dia a gente estava no slackpark, treinando, e ela falou: 'Vamos incluir ele no show'. Uma semana depois ela me testou no palco, com toda a equipe assistindo e mais cinco dançarinos interagindo. Ela gostou e no dia seguinte eu já me apresentei, junto com o Jaan Roose, no show de Moscou", conta.
A partir da Rússia, Neto se apresentou em dupla com o estoniano em todos os 64 shows seguintes, passando por Paris, Nova Iorque, Rio de Janeiro, entre muitas outras cidades. Girou o mundo, conhecendo outras culturas e aperfeiçoando o inglês, que ainda era básico nos primeiros dias da viagem.
Neto conta que não teve muitos problemas com isso, porque todos foram muito receptivos com ele, sempre ajudando no que fosse necessário. Visitou os mais diferentes pontos do globo, ficou nos melhores hotéis e aproveitou as melhores festas, muitas vezes exclusivas para a equipe da turnê, e de quebra ainda conseguiu fazer um pé de meia.

"Quando comecei, não tinha ideia de que isso pudesse ser uma coisa profissional um dia, fazia por hobby. Foram pintando as competições, eu fui gostando de levar essa vida, mas não pensava que seria um trabalho como está sendo hoje", lembra Neto.
'Meu pai foi meu guia'
Apesar de todos os apetrechos tecnológicos estarem à mão, com internet banda larga disponível e mais rápida do que a brasileira, faltava-lhe tempo para pesquisar sobre os lugares por onde ia passando ao longo da turnê, o que poderia ter lhe tirado muitos prazeres se não fosse por um fiel guia turístico que antecipava tudo para ele: seu pai.
O engenheiro eletrônico Tácio Rocha viajou junto com o filho por meio do computador, sempre atento ao itinerário e às dicas que encontrava na internet. Via o país, a cidade e o hotel onde Neto ficaria, e já partia para as pesquisas. Tão valiosas eram as informações, que a primeira coisa que Neto fazia ao chegar nos hotéis era ligar para o pai e perguntar o que ele indicava.
“A três quarteirões do hotel tem um parque com um lago maneiríssimo. Vai lá.”, dizia Tácio em uma das conversas via Skype. Além disso, cobrava as fotos do filho nas redes sociais: “Sua mãe quer ver, Neto, põe no Facebook”.
Durante a primeira etapa do campeonato
 mundial de 2013 (Foto: Arquivo Pessoal)
Futuro do Slackline
O futuro de Neto está cada vez mais atrelado ao esporte, que por sua vez tem grandes perspectivas pela frente. Nascido no início da década de 80, na Califórnia, o slackline foi criado por escaladores, que utilizavam a corda para se aquecer enquanto as condições de tempo não permitiam que eles seguissem com o caminho. Hoje é um esporte difundido em todo mundo, com uma série de novas modalidades, que não param de surgir. Existe o trickline (modalidade em que há manobras e saltos, a mais recorrente em competições); o highline (o mais antigo, praticado nas alturas, geralmente entre montanhas e prédios), o longline (com fitas com mais de 20 metros de comprimento, cuja dificuldade de equilíbrio é maior); o waterline (sobre as águas); o Yogaline (prática de yoga sobre a fita); entre outras que ainda estão sendo criadas.
Neto, que ficou em terceiro lugar na primeira etapa do campeonato mundial de 2013, atualmente tem contrato de patrocínio com a marca alemã Gibbon, a maior fabricante de fitas para a prática do esporte, e está com muitos planos para aumentar ainda mais a difusão do slackline no Brasil.
“O pessoal da Gibbon já disse que o Brasil é onde o esporte mais cresce atualmente. Os pedidos de fitas e o número de praticantes aumenta sem parar. O que falta agora é a federação do slackline, mas a Gibbon está fazendo isso. É importante porque facilita a entrada de novos investimentos e dá mais credibilidade”.
Ele conta ainda que já foi a uma série de empresas pedir patrocínio para campeonatos, mas sempre a primeira pergunta dos executivos é se o esporte é federado. Como ainda não é, poucas portas se abrem. Mas além da iniciativa da marca alemã, que está criando a federação brasileira de slackline, também há o surgimento de federações estaduais, como já houve no Rio Grande do Sul e está sendo concretizado no Rio de Janeiro.
A campanha pela divulgação do esporte deve ser a ocupação de Neto no futuro próximo, mas ele diz que tem planos de um dia voltar ao curso de engenharia ambiental da UFF para concluí-lo.
“Eu gostava do curso, tranquei no quarto período, mas estava cansado um pouco de estudar. Agora estou vivendo um momento muito bom, com várias coisas surgindo, e quero ficar pelo menos mais um ano viajando, fazendo vídeos, ajudando a fazer o slackline crescer”.
Tanto ele quer aproveitar a crista da onda no slackline, que mais uma vez recusou o convite do Cirque de Soleil. Foi procurado no início deste ano de novo pelo grupo, mas preferiu continuar apostando no que mais gosta: “Quero ficar mais na parte do esporte”.

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